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Rosane Zan: ‘Não somos uma empresa, somos a educação básica’

Presidenta do Cpers/Sindicato critica PL da Meritocracia enviado pelo governador Eduardo Leite em assembleia da entidade

Publicado: 06 Outubro, 2025 - 11h50 | Última modificação: 06 Outubro, 2025 - 11h56

Escrito por: BdF RS | Editado por: CUT-RS

Cpers Sindicato/Divulgação
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Professores, funcionários de escola e especialistas da ativa e aposentados lotaram a Casa do Gaúcho, em Porto Alegre, durante a Assembleia Geral do Cpers/Sindicato, nesta sexta-feira (3). O encontro teve como temas centrais a defesa da educação pública, a revisão da pauta de reivindicações da categoria e a rejeição ao Projeto de Lei 347/25, que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa e ficou conhecido entre os educadores como “PL da Meritocracia”.

O projeto de bonificação em debate

O texto apresentado pelo governo altera a lei 11.126/98 e prevê um sistema de bonificação atrelado ao cumprimento de metas de desempenho e frequência escolar. Diretores, vice-diretores e orientadores poderiam receber até um 14º salário proporcional aos resultados alcançados. Para a categoria, a medida divide colegas, desestrutura a carreira e desvia o foco das políticas estruturais.

Para a presidenta do Cpers, Rosane Zan, a proposta não valoriza a educação. “Nós não somos uma empresa, nós somos a educação básica”, declarou, ressaltando que a valorização deve ocorrer por meio de reajuste linear e permanente, e não por bonificações temporárias. Ela destacou que os funcionários de escola e os aposentados estão há 11 anos sem reajuste e afirmou que o governo impõe “métodos de divisão” entre os trabalhadores, o que, em sua avaliação, aprofunda a precarização.

Controle e competição sem regras claras

O professor Mateus Saraiva, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faced/Ufrgs), apresentou uma análise crítica sobre o projeto. Ele explicou que a proposta vincula a bonificação à frequência dos alunos e ao desempenho em avaliações como o Ideb e o IDS – este último sequer regulamentado. Para ele, a categoria é colocada em uma “competição sem regras claras”.

Saraiva apontou que a medida representa um mecanismo de controle sobre os trabalhadores da educação, reforçando a lógica de monitoramento permanente e cobrança por resultados. Segundo ele, não há evidências científicas de que políticas de bonificação aumentem a qualidade do ensino. “A defesa da democracia e da garantia de direitos não encontra espaço na lógica meritocrata”, afirmou.

A agenda global e o esvaziamento da democracia

Na visão de Saraiva, o PL 347/25 não é um projeto isolado, mas parte de uma agenda global orientada por organismos internacionais, como o Banco Mundial, que desde 2017 recomenda a adoção de bônus, metas de desempenho e maior presença de empresas privadas no setor educacional.

 

No Rio Grande do Sul, essa agenda se materializa em tentativas de parcerias público-privadas para manutenção de escolas, expansão de plataformas digitais e mudanças na gestão democrática. Entre elas, a alteração na composição do Conselho Estadual de Educação, que ampliou o poder do Executivo, e a desarticulação do Fórum Estadual de Educação.

“Estamos diante de um processo que transforma a escola pública em espaço de controle e mercantilização, esvaziando a participação social e a autonomia pedagógica”, alertou o professor.

A Carta entregue ao governador

Ao final da assembleia, dirigentes do Cpers caminharam até o Palácio Piratini e entregaram uma carta pública ao governador Eduardo Leite (PSD). O documento expressa a rejeição da categoria ao PL e à política educacional em curso, criticando o caráter meritocrático das medidas.

O texto afirma: “Rejeitamos uma política educacional fundada na competição, na privatização do público e no monitoramento punitivo do trabalho escolar. Rejeitamos, igualmente, medidas que confundem valorização com bonificação temporária e seletiva, ofertas que, na prática, precarizam vínculos, aumentam a desigualdade e corroem a democracia escolar”.

A carta também alerta que a mercantilização “reduz o sentido do ato pedagógico, esvazia a autonomia profissional e transforma estudantes em indicadores a serem atingidos, não em sujeitos de direitos e aprendizagem”.

Mobilização e reivindicações da categoria

Durante o encontro, os trabalhadores da educação aprovaram um calendário de lutas até o fim do ano. A mobilização prevê a realização da Semana de Luto da Educação Pública entre 7 e 10 de outubro, quando as escolas exporão faixas com mensagens contra a meritocracia; atos regionais em frente às Coordenadorias Regionais de Educação no dia 28 de outubro; e um ato estadual com paralisação no dia 11 de novembro, para pressionar pela aprovação de emendas à Lei Orçamentária Anual que garantam reajuste salarial.

Além do calendário, foi reafirmada a luta contra a reforma administrativa, a defesa do IPE-Saúde público e o enfrentamento ao desconto previdenciário que incide sobre os salários de aposentados. As reivindicações também incluem a revisão geral dos salários conforme as perdas inflacionárias, o cumprimento da Lei do Piso Salarial Nacional do Magistério, a realização sistemática de concursos públicos, a correção dos valores do vale-refeição e do vale-transporte e a garantia de paridade salarial entre ativos e inativos. Professores de escolas indígenas reforçaram ainda a necessidade de infraestrutura adequada e de revisão no pagamento do difícil acesso e do transporte escolar.

Defesa da escola pública e da democracia

As falas durante a assembleia reforçaram que a luta não se limita a questões salariais, mas envolve a defesa da escola pública como espaço democrático, laico e gratuito. Para Rosane Zan, a unidade da categoria é fundamental diante da conjuntura. “O que precisamos é de valorização real, de salários dignos e de respeito às nossas carreiras. A bonificação divide e precariza, enquanto a luta coletiva fortalece a escola pública que defendemos”, disse.

Moção de solidariedade internacional

Em um movimento que expandiu o foco das discussões para além das pautas estaduais, a assembleia geral também incluiu a abordagem da conjuntura internacional e a defesa da luta pela paz. Os participantes fizeram menção direta à “Palestina Livre” e ao contexto do “genocídio da Palestina”, mencionando especificamente a lembrança do sequestro da flotilha que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Nesse contexto, foi apresentada, votada e aprovada uma moção de solidariedade aos ativistas da flotilha, demonstrando o posicionamento da categoria diante da crise na região.