Entidades alertam para riscos à qualidade dos serviços públicos no RS com o PL 439/2025 do governo Leite
Na manhã desta segunda-feira (8), entidades representativas de servidoras e servidores públicos estaduais se reuniram em coletiva de imprensa na sede da Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul (Semapi), em Porto Alegre.
O encontro, convocado pela Frente dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (FSP/RS) – que reúne várias categorias do funcionalismo – visou denunciar o que classificam como “avançada ofensiva de privatização” com a tramitação do Projeto de Lei 439/2025, enviado pelo governo de Eduardo Leite (PSD) em regime de urgência.
Durante a coletiva, as entidades demandaram a retirada do regime de urgência e a abertura imediata de um amplo debate público sobre os impactos da proposta. O documento entregue à Casa Civil pedia justamente essa suspensão e alertava para os riscos que a aprovação traria para a estrutura do Estado e a qualidade dos serviços públicos.
O que diz o PL 439/2025O PL 439 busca regulamentar o modelo das chamadas “organizações sociais” (OSs) no âmbito estadual, permitindo que associações privadas sem fins lucrativos assumam a prestação de serviços públicos essenciais hoje de responsabilidade direta do Estado. Entre as áreas abrangidas, estão educação, saúde, assistência social, cultura, meio ambiente, ciência e tecnologia, agricultura, saneamento, entre outras.
Para o governo, o projeto representa uma modernização da gestão pública, ao reduzir burocracias, flexibilizar contratos e buscar “eficiência administrativa”. Porém, segundo as entidades presentes na coletiva, a medida configura um risco real de privatização e enfraquecimento do controle social sobre políticas públicas.
Na coletiva, a presidenta do Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers), Rosane Zan, declarou que o PL 439 representa “uma forma açodada e recorrente do governo Leite de atuar sem diálogo com quem está na ponta”. Ela destacou que a educação pública, por exemplo, pode sofrer consequências profundas com a transferência de gestão para organizações privadas. “Estamos falando de serviços públicos, bens da população – não pode ser tratado como mercadoria”, afirmou.
A dirigente citou com preocupação os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fudeb), que garantem o financiamento da educação básica. “Se uma instituição privada assume a gestão, quem vai garantir que esses recursos serão usados com transparência e em benefício do interesse público?”, questionou. Zan também reforçou que a falta de controle pode aprofundar desigualdades e precarizar o atendimento.
A secretária da Central Única dos Trabalhadores (CUT/RS), Maria Helena Oliveira, lembrou de casos recentes de má gestão em serviços terceirizados. “Se uma OS recebe recursos públicos – por exemplo R$ 500 mil – e realiza o serviço por R$ 250 mil, os outros R$ 250 mil são lucro. Estamos falando de um modelo que estimula a apropriação indevida de dinheiro público.” Para Oliveira, o PL abre precedente perigoso para lucro privado às custas de políticas sociais essenciais.
O presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado do Rio Grande do Sul (Fessergs), Sérgio Arnoud, qualificou o texto como “terceirização explícita”. Ele alertou para dispositivos do PL que permitem que as OSs “se apropriem dos saldos financeiros remanescentes dos contratos”, ou seja, que recursos públicos não utilizados sejam mantidos por entidades privadas sem prestação adequada de contas. “Isso coloca patrimônio público nas mãos de quem tem como objetivo lucro e não serviço à comunidade”, disse Arnoud.
O secretário-geral do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Sindjus/RS), Fabiano Salazar, afirmou que o projeto foi apresentado de forma “velada, acelerada e autoritária”. Para ele, o uso de regime de urgência para uma matéria de tamanha gravidade fere os princípios democráticos de debate e transparência. “É mais uma tentativa de entregar áreas essenciais do Estado sem que a população, os trabalhadores ou o Parlamento possam avaliar os impactos concretos”, defendeu Salazar.
Para as entidades, o PL 439 não representa apenas uma reforma administrativa – é uma mudança estrutural no papel do Estado no Rio Grande do Sul. A terceirização de serviços públicos por meio de OSs, apontam, fragiliza a prestação universal e igualitária desses serviços, abre espaço para desmonte institucional e reduz a capacidade de fiscalização social.
Além disso, há o temor de que a adoção desse modelo leve à precarização das condições de trabalho, perda de direitos trabalhistas e instabilidade no emprego dos servidores públicos. Já a gestão privada, segundo os sindicalistas, tende a priorizar lucro em vez de qualidade, equidade e acesso universal – abrindo margem para desigualdades e descumprimento de metas sociais.
As entidades cobraram não apenas a retirada da urgência, mas um amplo debate público e técnico, com participação das categorias afetadas, sociedade civil e parlamentares, para que os impactos da proposta sejam plenamente avaliados antes de qualquer deliberação.
Com o PL previsto para ser pautado na sessão da Assembleia Legislativa desta terça-feira (9), as entidades planejam um roteiro de reuniões para tentar assegurar a retirada da urgência.